Uma reportagem desta sexta-feira (3) falou sobre os medicamentos à base de cannabis, o nome científico da maconha. Em 2023, 430 mil pessoas fizeram uso desses remédios no Brasil.
São remédios ainda muito novos, e que não curam. Mas pesquisas e especialistas afirmam que eles são capazes de tratar pacientes que têm resistência a tratamentos convencionais.
Rosilene Teixeira levou um susto quando o filho mais velho sugeriu que ela usasse cannabis terapêutica:
“Na minha cabeça, era uma coisa que iria me viciar, uma coisa que pode não me fazer bem. Então quando ele falou, a princípio, eu fique meio… Igual a todo mundo. ‘Mas é de maconha?'”, conta a fisioterapeuta.
Ela sempre teve dores devido à escoliose idiopática, um desvio da coluna, e uma fibromialgia. Rosilene fez cirurgias, usou coletes, mas nada adiantava. Até começar a tomar algumas gotinhas diárias de óleos extraídos da planta, com receita médica.
“Eu estaria mentindo se eu falasse não sinto nem um pouquinho de dor. Uns 80 % melhorou a minha dor”, afirma.
A maconha é considerada um entorpecente e foi proibida no Brasil no fim da década de 1930, seguindo uma tendência que começou nos Estados Unidos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a venda estritamente sob prescrição médica. O produto é quase sempre importado.
“O grau de evidência, o grau de robustez que a gente tem é inquestionável”, destaca Francisco Netto, pesquisador da Fiocruz.
Francisco foi o coordenador da nota técnica divulgada pela Fiocruz, uma das instituições de saúde e pesquisa mais respeitadas do Brasil. No documento, a instituição afirma ser crucial o investimento científico nessa área, além da regulamentação — que viabilize a produção, a prescrição e o acesso do medicamento no Sistema Único de Saúde.
“A gente vive na sociedade ainda muito desigual e é uma medicação que ainda vai, durante muito tempo, ter um custo de produção alto. Então para que as pessoas que são a maioria possam ter acesso a isso, a única forma é através do Sistema Único de Saúde”, pontua o pesquisador.
Pesquisas mostram bons resultados
No Brasil, a Unifesp foi pioneira nas pesquisas com o uso medicinal da cannabis, na década de 1950, com o professor Elisaldo Carlini. Ele foi perseguido e preso, aos 87 anos, acusado de fazer apologia ao crime.
Soraya Smaili trabalhou com ele. Ela se debruçou sobre os efeitos dos compostos da cannabis nos neurônios.
“Nós temos muito interesse em estudar a Doença de Parkinson. É uma doença que não tem cura assim como outras doenças neurodegenerativas. Mas pode sim retardar o efeito ou as causas da doença. O acúmulo de uma proteína que é tóxica pode ser retardado ou diminuído com a utilização dos canabinoides”, explica a professora da Unifesp.
Na Universidade de Brasília (UNB) estão sendo realizadas pesquisas também sobre receptores e enzimas do nosso corpo, que podem explicar os bons resultados da cannabis:
“Há uma quantidade de estudos extraordinária não só para compreender o potencial médico, mas para compreender a importância desse sistema na própria vida. Ficou claro que é um sistema que está na raiz de todo o controle do nosso bem-estar”, afirma o neurocientista, Renato Malcher:
O que diz o Ministério da Saúde e a Anvisa
A reportagem buscou respostas no Ministério da Saúde, que pode regulamentar o uso do medicinal da cannabis, mas ainda não há um plano a curto prazo.
“O que a gente tem que avançar agora nesse momento é uma agenda que a gente precisa fazer pesquisa, pesquisa clínica para mostrar segurança e eficácia para um país do tamanho do Brasil para gente vir a incorporar […] Então, é tratar dessa questão sem preconceito e com base científica”, diz o secretário da Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha.
“A decisão do Ministério da Saúde é muito importante porque pauta o Brasil. O uso inadequado de medicamentos pode ser um grande malefício para a população. Então é importante dizer que existe tempo da ciência”, completa o secretário.
Em nota, a Anvisa disse que está em fase de regulação de produtos à base de cannabis. E que, por isso, não poderia antecipar avaliações sobre o cenário do uso desses produtos no Brasil.
Fonte da matéria: www.g1.globo.com